sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Diz o dito popular: "Cavalo encilhado não passa duas vezes" e uma estranha dupla coincidência.

Volta e meia me agarro à algum ditado e começo a refletir bastante em cima dele, tipo Olho vivo porque cavalo não desce escada. Sim, esses ditos populares, desprezados por muitos como clichês, mas que em determinados momentos da nossa vida nos fazem levantar de um tropeço, nos confortam em alguma situação embaraçosa e até mesmo através deles realizamos grandes prodígios.

Ultimamente tenho pensado muito neste adágio gaúcho que escolhi como título. De fato, sabemos que oportunidades na nossa vida aparecem e desaparecem como vultos numa noite escura, passamos os olhos por ele muitas vezes sem entender de fato o que ele quer nos alertar, advertir; falar que oportunidades são portas abertas para o paraíso da vida profissional ou financeira. Entre o sim e o não, essas duas vertentes são divisoras de águas a partir do momento em que apostamos ou refugamos, sem termos a oportunidade de saber como teria sido se tivéssemos escolhido a primeira opção. Ouso dizer que este é o tempero da vida, o que nos ensina a escolher, desde crianças quando optamos por jogar bola ou ler um bom livro sob pena de nos arrependermos de uma perna quebrada numa jogada dividida ou o fim trágico do mocinho da história nos gerando uma frustração.

Oportunidades nos surgem como o vento, que não podemos nem ver e nem ouvir, mas se estivermos atentos podemos sentí-las tal qual a suavidade de uma brisa. Escolhi, por timidez e por falta de recursos financeiros, deixar de entrar pra história através da televisão, decidido apenas trabalhar em jornais, deixando de montar no lombo do "cavalo encilhado da vida", que me obrigou a camperear pelo campos do jornalismo impresso.

Mas na minha vida profissional, em termo de convites para trabalhar em televisão, o "cavalo encilhado passou três vezes". E todos eu reneguei por timidez e desconhecimento. A primeira vez que o cavalo passou encilhado, e eu ignorei, foi quando recebi o convite do hoje saudoso amigo Vito Amaury Sotffel, então diretor presidente da Locarauto, a maior locadora de Porto Alegre, que me ofereceu fazer um programa na TV Difusora (hoje Band) e ele entraria com o patrocínio. Receoso, sem condições financeiras e tímido, acabei deixando passar a oportunidade. Tempos depois era o diretor comercial da TV Difusora, hoje advogado bem sucedido, Marco Antonio Birnfeld, que me fez convite para apresentar programa na emissora. E mais uma vez, por não conhecer como funciona uma televisão e como conseguiria roupas para me apresentar no programa, desprezei o convite, apesar da insistência do amigo Marco Antônio, hoje dono do site "Espaço Vital" junto com o filho Dionízio Renz Birnfeld. A TV Difusora, á época, pertencia à Ordem dos Frades Capuchinhos.

Os anos passaram, e a TV Difusora apresentava ao meio-dia o Progra Portovisão, que era dividido em diversos quadros. Fernando Vieira era o produtor do quadro Gente. Com a saída de Luiz Carlos Mello, Fernando Vieira me fez novo convite, então para substituir o Melinho e apresentar o quadro Gente, que versava sobre clubes e sociedade da Grande Porto Alegre. Pelas mesmas - e idiotas - razões, acabei evitando de me encontrar com Fernando, posto que o mesmo insistia que eu substituísse o Luiz Carlos, feito que ele mesmo acabou assumindo depois.

A ESTRANHA DUPLA COINCIDÊNCIA

Além dessas três vezes em que o "cavalo passou encilhado" e eu não montei, teve um outro fato curioso e de estranha coincidência. Lá pelo ano de 1971 - e eu havia recém me casado e já morando em apartamento -, em conversa com o saudoso amigo Ronaldo Francisco de Oliveira, resolvi trocar o nome da coluna social que assinava no semanário O Timneiro para O Colunão, pois a coluna social, na época, era grande e ocupava as duas páginas centrais do jornal. Lendo uma revista do Rio de Janeiro, que o amigo Ronaldo me levara, me deparei com um jornalista carioca, que assinava sob o pseudônimo de Xico Júnior (exatamente com "X" como eu) uma coluna de esportes intitulada O Colunão. Foi a partir daí que passei a assinar a coluna social somente com o meu pseudônimo Xico Júnior, que de pseudônimo acabou praticamente virando um nome de tão conhecido, não apenas no meio jornalístico, mas pela alta sociedade, amigos e fãs (desculpem a imodéstia) que cultuo até hoje e que me tratam com tal carinho e até dizem ser eu o maior referencial do jornalismo de Canoas, atitudes, exageradas é bem verdade, que mesmo assim comovem.
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domingo, 2 de janeiro de 2011

De cronista social da alta sociedade a apresentador de programa brega


No alto anúncio do programa "Real Musical Show", publicado no semanário O Timoneiro. Embaixo, o radialista Xico Júnior durante cobertura de evento popular no Parque Eduardo Gomes. E à direita, apresentando o programa "Real Musical Show" diretamente do estúdio da Rádio Real (1985).

No mesmo ano em que iniciava na crônica social, 1966, participava de um programa na Rádio Clube Canoas, então sob a direção de Ruy Figueira, que se tornou conhecido e reconhecido no Brasil inteiro, tendo sido o pioneiro na apresentação do mais importante noticioso do auge da melhor fase do rádio: "Repórter Esso". Depois Ruy Figueira passou a ter seu estilo copiado por outros apresentadores do centro do País. O programa (não lembro o nome), que ia ao ar aos domingos pela manhã, incluia, na variedade de assuntos que abordava, notícias sobre a movimentação social e a programação dos clubes sociais. Esse era o quadro do programa que coube a mim apresentar. E assim fiz meu debut como radialista.

Voltaria ao rádio, então na Rádio Real, que funcionava numa casa na Rua Domingos Martins, em condições de grande precariedade física e técnica, somente nos anos 70, quando reiniciei com o Programa Xico Júnior, um misto de noticiário de veriedades e musical, com lançamentos de discos, como o LP (vinil) "Baianos e Os Novos Caetanos" (Chico Anísio e Arnaud Rodrigues), programa que era gravado em fita cassete no estúdio da Sport Som (essa a primeira gravadora que surgia no município e funcionava também como loja de produtos musicais) do saudoso amigo e compadre Ronaldo Francisco de Oliveira, e que contava, entre outros, com a locução comercial de Jandir Sidney Lauther, cujo já vinha de experiências radiofônicas anteriores. O programa esteve no ar pelos 540 KHz da Rádio Real pelo período exato de nove meses.

Retornei à Rádio Real nos anos 80, produzindo e apresentando o Programa Xico Júnior Especial, que ia ao ar das 11 às 11:30 horas, em espaço que eu arrendava. O programa, que era multifacetado, abordando variedades sobre os mais diferentes temas até as badalações sociais, foi tirado do ar pelo gerente comercial da emissora, Aldo Vetorello, depois que tomou conhecimento que a emissora vendera meia hora de programa por Cr$ 100 mil mensais, enquanto eu faturava seis vezes mais, ou seja, Cr$ 600 mil mensais. É que os meus patrocinadores eram, como se diz na linguagem militar", de "alto coturno", como: Sbardecar - Revendedora Fiat; Massas e Biscoitos Pavioli, Massey Ferguson (tratores), Elegância Modas (a boutique mais chique da city), Petruskas Modas (boutique que por longo tempo fui o orientador e coordenador dos desfiles, sem falsa modéstia, com total sucesso e foi nesse tempo que lancei a depois atriz Leila [Gomes] Lopes, então como modelo e manequim. Portanto, a sua carreira profissional começou comigo nos anos 80), e Óticas Vênus que, além do patrocínio, brindava os ouvintes com um relógio da Tecknos, que era sorteado em cada programa, que, ao soar da vinheta E Agora a Loto Musical, compreendia responder o nome de três músicas que eram rodadas em horário indefinido ao longo das cinco horas de programa. Forma de manter os ouvintes ligados do início ao final do programa. Além dos relógios Tecknos, sorteava em todos os programas, carne para churrasco, blusas de seda, conjuntos de jeans, e até quarto infantil completo e colchões, quando, inspirado no que foi convencionado pelas famílias nas décadas de 50 e 60, que quartas-feiras era dia de namorar, dizia: Quarta é dia de sofá e sábado é dia de colchão, dando, assim, uma conotação a dupla interpretação, já que sorteava os tais colchões geralmente nos programas dos sábados à noite.

A partir da descoberta do diferencial do quanto pagava pelo programa e do faturamento que obtinha, o contrato verbal-moral foi rescindido e assim fui obrigado a obter o Registro de Radialista, feito que conquistei depois de dois meses de curso promovido pela Feplam - Fundação Educacional Padre Landel de Moura, em Tramandaí-RS, onde um grupo de novos radialistas e eu íamos todos os sábados, com aulas teórica e práticas realizadas no Galpão Crioulo e no estúdio de gravações da Rádio Tramandaí, curso este coordenado pelo amigo Gustavo Alves e que teve entre outros ministradores de técnicas o radialista Edy Amorim, que comandara durante anos o programa "Clube dos Namorados", então um dos programas de maior audiência do rádio gaúcho no Rio Grande do Sul. E eu fui um dos bons ouvintes do seu programa. Mas sequer imaginava que anos depois ele se tornaria meu ouvinte assíduo, exatamente, como me contou por telefone à época, pelo fato de apresentar uma seleção musical de bom gosto e fora do "lugar comum" que as músicas sertanejas haviam se tornado. Assim, com uma seleção musical diferenciada, fui ganhando centenas, milhares de ouvintes e até um "fã-clube", integrado pelas meninas que formavam os fãs-clubes dos cantores Jerry Adriani e Amado Batista. Não fazia a mínima idéia do quanto de poder o rádio tinha - e ainda tem - e assim, para muitos ouvintes, acabei me tornando uma espécie de ídolo. E o rádio, no tipo de programa que apresentava, me mostrou um outro lado que também sequer imaginava existir: a carência emocional, afetiva e sentimental de grande parte dos ouvintes, em especial às mulheres, pois estas com maior facilidade confidenciavam seus problemas mais íntimos, tal a confiança e o cativar que o rádio, mesmo AM, proporciona.

Lembro que o Grins colega de rádio, estava promovendo uma festa no Grêmio Esportivo Getúlio Vargas, em Canoas. E nas chamadas para a festa anunciava que, como atração, o Xico Júnior estaria presente. No dia e local marcados para a festa, me dirigi ao Clube, apenas pensando em me apresentar sem imaginar qualquer reação especial. Ao entrar no Clube, o colega Grings, que apresentava um programa só de bandinhas, com músicas do repertório alemão, anunciou a minha presença e a reação do público foi simplesmente surpreendente: mal consegui chegar até o palco com as mulheres querendo me agarrar, tirar fotos, conseguir um autógrafo e tudo sob intermináveis aplausos. E depois foi uma interminável fila para os autógrafos. Um acontecimento indiscritível, inesquecível e dignamente memorável. Me senti como um verdadeiro e singular ídolo, tal a recepção, a ovação e o carinho do público que lotava as dependências do Grêmio Esportivo Getúlio Vargas. No radialismo é somente isso que gratifica e que faz valer a pena: o público ouvinte.

Depois de descobrirem o quanto eu faturava com o Programa Xico Júnior Especial, passei, compulsoriamente, a ser funcionário da Rádio Real com um salário que mal dava para comprar dois LPs (Long Plays, discos ainda em vinil). Durante o tempo (cerca de 5 anos) que permaneci na Rádio Real, apresentei o programa Real Musical Show, no melhor estilo brega, como os segregadores e preconceituosos gostam de classificar, todos os sábados e domingos, das 19 às 24 horas. O diferencial, em relação aos demais programas das outras emissoras, era a distrinbuição de prêmios que chegava a Cr$ 1 milhão por mês, além de as outras emissoras rodarem somente músicas do repertório sertanejo, enquanto eu buscava um público exclusivo e carente de músicas românticas, oferecendo como opção um estilo criativo e, ao mesmo tempo, rebuscado, tanto em termos de seleção musical, com repertório dos anos 60 e 70, como no gênero do programa. Entre uma música e outro, um comercial e outro, eu introduzia frases que continham mensagens de conscientização. Só para exemplificar, tipo: "Verde é vida". Coisas que nenhuma rádio fazia à época. Assim, para fugir do "lugar comum", rodava músicas que fizeram sucesso numa fase anterior ao modismo das músicas sertanejas. Na proposta do novo programa, rodava músicas interpretadas por cantores e cantoras, como: Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa, Nelson Gonçalves (LPs que me eram emprestados pelo amigo radialista Jandir Sidney Lauther), Altemar Dutra, Sidney Magal, Trio Los Angeles, Paulo Sérgio, The Platters, The Beatles, Élvis Presley, Neil Sedaka, Paul Anka, Celly Campello, Tony Campello, Carlos Gonzaga, entre outros da época. As exceções eram as duplas sertanejas Duduca e Dalvan (somente a música "Espinheira", que tem uma letra de conscientização política), Matogrosso e Mathias (apenas duas: "24 Horas de Amor" e "De Igual Prá Igual") e Amado Batista (com "Chance", que virou coqueluche à época, pois Amado Batista já havia vendido mais discos que o próprio "rei" da Jovem Guarda, Roberto Carlos).

Um capítulo à parte: Amado Batista venceu na música, mas batalhou incansavelmente para chegar ao sucesso. Eu o conheci numa noite de sábado quando esteve em visita ao programa "Real Musical Show". Confesso que não o conhecia e mal houvira falar dele. De repente olho pelo vidro que dava para a técnica e vejo aquele homem de aspecto meio rude, parecendo um trabalhador, trajando calça jeans e camisa xadrês. Conversou com o sonoplasta e logo se dirigiu para o estúdio. Se apresentou de forma singela e com um ar de humildade. Assim que a luz do estúdio foi ligada e o microfone aberto, anunciei ao público ouvinte a presença de um dos maiores ídolos da música romântica brega, ou sertaneja como muitos classificavam o gênero interpretado por Amado Batista, e na seqüência, como não poderia ser diferente, a entrevista. E nela descobri, além da humildade e da simplicidade do ídolo que vendia milhões de discos em todo o Brasil, uma pessoa de elevado caráter profissional e invejável (no bom sentido) determinação, pois se dispusera a sair de Porto Alegre depois das 21 horas, como revelou, para estar num programa em Canoas, por volta das 22 horas. Isso é determinação, e essa determinação e simplicidade o levaram ao sucesso, merecidamente. Não me tornei um fã do cantor Amado Batista, mas um admirador da pessoa Amado Batista e da sua simplicidade e humildade.

Na Rádio Real meu compromisso era a apresentação do programa, porém, por falta de equipe, eu me desdobrava, obrigado, em três funções: produção, direção e apresentação. Tal durou até um gerente que havia sido contratado pelo dono da rádio Amabílio Joaquim, porém sem qualquer espírito de liderança e comando mesmo tendo mais de 40 anos de vivência no radialismo, conforme dizia, e que havia substituído seus antecessores: os saudosos canoenses Orlando Bonorino e Juan Darcy, que, ao saber do meu bom ralacionamento, influência e penetração nas áreas social, comercial e industrial de Canoas, em lugar de ser solícito, diplomático e gentil, passou a me exigir de forma impostora, que faturasse o que representava uma babilônia para a época, inclusive pelo alcance e a falta de qualidade da grade de programação da rádio, e me dizia, sentenciandoe por mais de uma vez: "Ou tu fatura X milhões por mês ou tiro o programa do ar". Eu sempre respondia, tácito: "Podes tirar o programa do ar". Até porque o que ganhava como salário era algo irrisório, pois mal dava para comprar dois LPs de vinil, coisa, aliás, que fazia, pois tinha que levar a minha coleção de discos de casa, porque a discoteca da rádio ficava trancafiada, impedindo que eu usasse discos da própria rádio. As condições do estúdio e do setor da técnica eram precaríssimas, e não foi uma única vez que o técnico-sonoplasta teve que usar velas para por os discos a rodar durante o programa por falta de lâmpadas, tão crítica a situação. Nem mesmo diante da reinvindicações as lâmpadas eram compradas imediatamente, e assim os pedidos eram postergados, pois as compras dependiam do dono da rádio, Amabílio Joaquim. O piso era de madeira, assim bastava o técnico de som bater firme com o pé no assoalho que rodava as seis faixas do LP numa tocada só, de tão precárias as condições. Um quadro negro inacreditável, porém, e lamentavelmente, verídico. Fui despedido por carta em meio as férias. Depois que apontei a ilegalidade, esperaram eu retornar e aí a carta de demissão.

Não dei a menor importância à falta de diplomacia, pois o fato de eu ter voltado a fazer rádio não tinha sido pelo salário, mas porque resolvera me tornar abstêmio, após cerca de 28 anos de bom tomador de "scoth" de boa origem, e assim tinha um compreensível e justificável motivo para "fugir" dos amigos de trago que insistiam para que participasse dos encontros alcoólicos. E valeu muito ter passado aquele período à frente do microfone, que me serviu como mais uma bela e significativa experiência, pois passara a me comunicar com outro estilo de público que não o da rotineira "high society".

Aliás, ainda hoje (abril de 2010) acredito nos bons resultados, tanto em termos de audiência como financeiros, à emissora AM ou FM que retomar a apresentação das famosas radionovelas dos anos 50 e 60, diferenciando-se, portanto, das demais que insistem na mesmice. Ou seja, todas as emissoras de rádio, AM ou FM, mantém o mesmo estilo, praticamente as mesmas grades de programações assemelhadas, pouco ou nada se diferenciando uma das outras.

UMA EXPERIÊNCIA SUPER EMBARAÇOSA

Fazia mal uns três meses que eu estava apresentando o programa "Real Musical Show", que contava com a participação do ouvinte no ar, via telefone. O profissional da técnica atendia e passava o telefone para o estúdio. Eu levantava o aparelho do gancho e fazia a tradicional pergunta: "Alô! Quem está falando?", ou "Quem está chegando?", "Quem está na linha?", coisas assim. Nem sempre a linha telefônica funcionava com perfeição, pois de quando em vez ruídos ou interferências dificultavam a comunicação com o ouvinte. Mas numa certa noite fui surpreendido com uma inesperada e espantosa ligação e a linha telefônica limpa, sem qualquer ruido. Fiz uma das tradicionais perguntas, e a resposta do outro lado da linha quase me derrubou:
- "Alô, quem está falando?", perguntei
- "É a bu... da tua mãe", respondeu a voz anônima do outro lado da linha em tom super audível.
De imediato fiz sinal para o sonoplasta cortar a ligação e com a mão fazia sinal para que rodasse uma música qualquer. Tinha sido tomado de surpresa. Uma surpresa inimaginada, constrangedora e embaraçosa, já que a voz do rapaz ou homem entrou limpa no ar e com um grosseiro palavrão. Tive pouco mais de dois minutos para raciocinar o que diria no retorno do programa. Se criticasse, injuriasse o ouvinte que disse tal barbaridade cairia na "vala comum" e seria o que todos ou a maioria estaria esperando. Pensei, pensei e cheguei a conclusão que deveria tratar o caso de forma exatamente inversa: mostrando compreensão, paciência e usando de psicologia. Assim que ascendeu a luzinha vermelha e o microfone foi aberto, sem maiores rodeios, fui claro, direto e objetivo: "Todos, com certeza, ouviram a barbaridade que um ouvinte acabou de dizer a pouco por telefone. Não estou zangado e nem chateado com ele, pois acredito que ele esteja passando por algum momento de dificuldade, por algum problema emocional ou sentimental. Assim, gostaria que essa pessoa que ligou para a rádio fazendo um desabafo em tom nada elogiável, nos procurasse para que pudéssemos conversar e quem sabe poderemos ajudá-lo. Mas pedimos que jamais volte a ter tal atitude, porque uma rádio com centenas ou milhares de ouvintes não é um canal apropriado para esse tipo de desabafo, esse tipo de atitude. Assim, renovamos o convite para que essa pessoa nos procure na rádio e venha conversar com a gente. Estamos aqui também para ajudar que precisa desse tipo de apoio". A reação dos ouvintes foi impressionante. A partir do meu comentário e da disposição de conversar com uma pessoa que provavelmente estaria passando por problemas de ordem emocional ou sentimental, apesar da grosseria que havia cometido, fez com que os ouvintes esquecessem de pedir suas músicas e passaram a só nos elogiar e agradecer pela atitude e pelo espírito de compreensão. Assim foi até o final do programa, claro que eu procurando conduzir o programa dentro da maior normalidade e conforme já havia sido programado, com músicas, sorteio de brindes e brincadeiras anunciadas com vinhetas, do tipo: "Qual é a música?", "Guerra Entre os Astros", "E agora a Loto Musical", etc.

Revelo que foi uma atitude surpreendentemente embaraçosa e constrangedora, ao mesmo tempo um gancho que fez com que capitalizássemos ainda mais a simpatia e o respeito dos ouvintes. Aquela noite dormi pensando na atitude daquele ouvinte anônimo e no seu provável problema, mas por outro satisfeito e realizado profissionalmente.

OS "VERDE-OLIVA" E A ORDEM DE PRISÃO

O presidente da República ou interventor nomeado pelos militares, general Ernesto Geisel, vinha a Porto Alegre para um compromisso, que não recordo qual. No decorrer do programa "Real Musical Show", além de variedades, frases de concientização, músicas e brincadeiras com sorteio, sempre anunciava algum fato sobre os mais diferentes assuntos. Naquele sábado de noite, anunciei que o Presidente Ernesto Geisel estaria chegando ao Estado acompanha da sua "troupe", um francesismo que costumava usar também na coluna social no jornal, expressão que usava com o sentido de grupo, comitiva. Obviamente, que na notícia encaixara o termo "troupe", ainda que subliminarmente, com o propósito de dar uma conotação, um sentido de "tropa". Era uma forma de enganar a censura e de não ser rotulado de "revolucionário", ou pior, de "comunista" anti-ditadura. Aí o "grampo" seria obviamente inevitável e injustificável para os impiedosos e bárbaros "carrascos da redentora".

O texto foi mais ou menos este: "O presidente da República, general Ernesto Geisel, estará desembarcando amanhã no Aeroporto Salgado Filho, para compromisso no Estado, acompanhado da sua "troupe", pois que vinham ministros de diferentes pastas, inclusive o general Ruben Carlos Ludwig, com quem tive contatos, digamos, bastante íntimos e um encontro reservado na residência da sua saudosa mãe Iracema Ludwig, na histórica Villa Mimosa, juntamente com o saudoso Léo Medina Martins, entre outros agregados ao Gabinete da Presidência. E assim continuei comandando o programa. Passaram-se cerca de 40 ou 50 minutos quando entra rádio adentro, pisando com passadas firmes e fortes no assoalho de madeira, quatro militares do Exército, devidamente fardados de verde-oliva. Falaram com o sonoplasta que indicou como eles poderiam chegar ao estúdio onde eu me encontrava. Invadiram o estúdio sem se preocuparem se o microfone estava aberto ou não, e logo um sargento, que liderava o quarteto, ordenou:
- "O senhor está preso!"
Mostrando desconhecer o motivo, e já tremendo e as pernas bamboleando, perguntei:
- "Senhor! Posso ao menos saber qual a razão?"
- "O Senhor faltou com o respeito com o Presidente e toda a sua comitiva ao anunciar que o Presidente estava chagando com sua tropa".
- "Com todo o respeito, acrescentei, mostrando-me seguro e sem deixar transparecer medo, não usei esse termo, mas sim o termo francês "troupe", com o sentido de comitiva, de grupo, mas jamais com o objetivo de ofender o Presidente. E como somos obrigados a gravar todos os programas e mantê-los guardados por cinco anos, podemos passar até a técnica e lá os senhores vão comprovar que o termo que usei foi exatamente "troupe" e jamais tropa".
Diante da minha argumentação, justificativa e insistência, o sargento concordou em ir até a técnica e lá, em tom ausero e até arrogante como era modelar hábito da maioria dos militares à época, incontinenti ordenou o sonoplasta que rodasse a fita onde constava a notícia referente à chegada do Presidente da República a Porto Alegre. Feito isso, e depois de ouvir três ou quatro vezes a gravação para, assim, certificar-se, ele próprio concordou que o termo usado havia sido "troupe" e não tropa, como havia dito. Antes de se retirarem, pôs a mão sobre o meu ombro direito e lascou um alerta em tom de ordem:
- "Dessa vez passa, mas evite de usar termos que possam confundir ou dar conotações pejorativas, pois da próxima vez não haverá explicações e nem justificativas, entendido?"
- "Entendido. E assim será. Vamos evitar palavras ou expressões que possam causar possíveis mal entendidos".
- "Assim esperamos! E bom programa!"
E logo retiram-se, com as mesmas passadas fortes e firmes que faziam o assoalho estremecer, sem sequer se um "boa noite".

Sinceramente, depois de comprovar que já haviam embarcados num jipe do Exército e tomado o rumo de Porto Alegre, rindo, porém sem muita graça, fui conversar com o colega da técnica, que me confessou também ter tremido da cabeça aos pés depois de ouvir a ordem, dado com tom grave e a carranca mais grave ainda, de reprisar o texto da notícia. Bebemos um pouco de refrigerante que eu tinha levado para a rádio e voltamos a apresentar o programa.
Confesso que teve um momento em que pensei - e foi aí que comecei a tremer - que passaria pelo menos uma noite num dos porões do DOI-Codi ou do Exército, que era para onde levavam os cidadãos classificados pelos militares e carrascos da Ditadura como "revolucionários" ou "comunistas".

Escapei de ser classificado e fichado como "terrorista" ou "comunista" por muito pouco ..., graças a Deus e à explicação com a reação de provar que eles, os "verde-oliva", estavam enganados, felizmente.

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